domingo, 12 de fevereiro de 2012

Olha o picolé!

E ao longe eu podia ouvir:
- Ooooooooolhaaooopiicoléeeeeeeiaaaaaaamassiiiinhaaaiamóooreninha.
Impressionante o fôlego daquele picolezeiro. Parte dos meus exercícios vocais aprendi com ele. Então já crescida, tomei outros rumos.
As pessoas vem e vão, e sem que possamos notar elas dão um pequeno toque nessa pintura maluca que chamamos de vida. O tio do picolé, o bêbado da calçada, a velha da casa da esquina, o cara com o cachorro, o casal de namorado que ao se beijarem fazia a gente dizer "eca". 
E um certo dia voltando a cidade, lá vinha ele rua acima. Me espantei com o fato de ele estar como sempre o vi, um senhor, idoso, branco, avermelhado, dos olhos verdes claros, vestido com uma camisa, calça social meio acabada, e uma pargata. A diferença é que alguns anos, ele mal gritava na esquina e a molecada já corria com as moedinhas. "Tio, quanto tá o picolé de limão?, Eu quero o de chocolate..." 
As árvores tomavam conta da rua, talvez fosse o motivo pelo qual não fizesse tanto calor. Quando o sol rachava de quente, era embaixo delas que encontrávamos abrigo. Lembro de uma senhora grávida que descia do posto de saúde. Ela simplesmente parou embaixo da árvore e pediu um copo com água. Ficou sentada ali por um bom tempo, ofereci ajuda a ela, mas, disse pra não me preocupar, e agradeceu. 
Aos poucos as ruas tomaram diferentes aspectos, as árvores foram desaparecendo.
Hoje a vizinhança mudou, os muros estão mais altos, quase não se pode ver as janelas, e os pais preferem levar seus filhos em uma sorveteria, a deixar que comprem bobagens na rua. Mesmo assim, ele vem todos os dias, com seu grito de sempre.
A verdade, eu realmente sinto falta de quando eu podia subir na árvore e ficar nas últimas galhas, balançando de um lado para o outro, quase matando a minha mãe do coração, de tanta preocupação.
A lição que levo comigo, é que sempre devemos olhar para frente e enxergar além do horizonte, fazer das  mãos um pequeno esconderijo para proteger do sol forte, mas não me privar de poder contemplar quando ele estiver nascendo, nem quando se por. E claro, estar sempre atenta quando no calor agonizante a oportunidade vier gritando rua acima oferecendo alívio para os dias tão pesados e intensos.